Introdução
O abandono afetivo, tema que há muito permeia debates doutrinários e decisões judiciais no Direito de Família, alcança um novo estágio de reconhecimento legal com a Lei nº 15.240, de 28 de outubro de 2025, que insere no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a previsão expressa de que o abandono afetivo configura ilícito civil, sujeito a reparação por danos.
Essa inovação legislativa reforça a tutela jurídica do dever parental de cuidado emocional, afetivo e relacional, não apenas material, como parte integrante das responsabilidades parentais. Neste artigo, analiso os fundamentos jurídicos, as definições trazidas pela nova norma, os requisitos para a responsabilização e os efeitos práticos na advocacia familiar.
O que a Lei 15.240/2025 estabelece
A Lei nº 15.240/2025 altera dispositivos do ECA para incluir novas obrigações parentais e definir, de modo explícito, que o abandono afetivo é conduta ilícita passível de reparação.
Alguns pontos centrais da nova lei:
- O art. 4º do ECA passa a prever que compete aos pais, além de zelar pelos direitos previstos no ECA, prestar assistência afetiva mediante convívio ou visitação periódica, de modo a acompanhar a formação psicológica, moral e social da criança ou adolescente.
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A lei introduz no § 3º do art. 4º a definição de assistência afetiva como englobando:
- I. orientação em escolhas e oportunidades educacionais, profissionais e culturais;
- II. solidariedade e apoio em momentos de sofrimento ou dificuldade;
- III. presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente, quando for possível atendê-la.
- O art. 5º do ECA é modificado para incluir que qualquer ação ou omissão que ofenda direito fundamental, inclusive nos casos de abandono afetivo, constitui conduta ilícita, sujeita à reparação de danos.
Com isso, torna-se mais clara a base normativa para responsabilizar judicialmente pais ou responsáveis que negligenciem a dimensão afetiva do vínculo familiar.
Fundamentos jurídicos do ilícito do abandono afetivo
1. Responsabilidade civil e dever de cuidado
O reconhecimento legislativo do abandono afetivo como ilícito civil se baseia nos arts. 186 e 927 do Código Civil e nos princípios da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente.
O Direito não exige o amor como obrigação jurídica — o que se exige é o dever de cuidado, traduzido em ações concretas de atenção, convivência, suporte emocional, orientação e presença mínima.
2. Dano, nexo e conduta
Para que haja responsabilização por abandono afetivo, devem-se demonstrar:
- Conduta ilícita (ação ou omissão) que viole o dever de assistência afetiva;
- Dano moral ou psíquico experimentado pela criança ou adolescente;
- Nexo de causalidade entre a conduta e o dano.
Importante observar que não basta mera ausência afetiva — deve haver omissão reiterada e grave, capaz de gerar abalos psicológicos na criança ou adolescente.
3. Presunção in re ipsa e ônus da prova
Em muitos casos, reconhece-se a presunção de dano moral (in re ipsa), ante a gravidade do abandono parental — ou seja, presume-se que a omissão causa dor psicológica, dispensando prova detalhada do prejuízo.
Impactos práticos e desafios na advocacia familiar
- Reforço de teses: a nova lei fortalece ações de reparação por abandono afetivo, com base legal expressa.
- Readequação das petições: é recomendável citar expressamente o artigo modificado do ECA e os deveres de assistência afetiva.
- Provas multidisciplinares: uso de laudos psicológicos e provas sociais se torna essencial.
- Limitações temporais: observância dos prazos prescricionais do Código Civil.
- Mediação familiar: incentivo à prevenção e resolução extrajudicial de conflitos.
A promulgação da Lei nº 15.240/2025 representa um marco significativo no Direito de Família, ao institucionalizar o abandono afetivo como ilícito civil no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Esse reconhecimento formal amplia a tutela jurídica do direito ao afeto e à integridade psicológica de crianças e adolescentes, reforçando que o descumprimento afetivo não é apenas uma falha moral, mas uma omissão juridicamente reparável.